Longe vão os tempos em que, enquanto criança, eu e o meu grupo de amigos percorríamos cada metro da Quinta da Carreira em busca de brincadeira, de aventura e, naturalmente, à descoberta de novos horizontes.
Primeiro a pé e mais tarde de bicicleta, imbuídos da curiosidade característica destas idades, procurávamos a cada dia, ir um pouco mais longe, conhecer outros sítios e explorar o que ainda estava por descobrir, ainda que isso implicasse contrariar os limites determinados pelos nossos pais. Afinal, esses eram sempre os mais desafiantes.
Desses espaços “proibidos”, havia um que despertava uma especial curiosidade. Não pela distância (até era perto), mas pelos “perigos” que escondia e pelas histórias medonhas que dele se contavam.
Refiro-me, naturalmente, à zona do Pinhal da Qtª da Carreira que, para quem não se lembra, era um enorme espaço com vegetação densa, onde existia um Poço com um Moinho e onde, segundo as tais histórias, viveria um “assustador” caseiro da Quinta.
Após várias incursões pelo pinhal, fomos desmitificando as histórias, perdendo os medos e o moinho passou a ser o centro do nosso mundo. Era lá que passávamos a maioria do nosso tempo livre e onde vivíamos as nossas maiores aventuras. Por ali passaram gerações e gerações, para quem o moinho tinha um significado especial.
Para além das histórias vividas por tantos de nós, o Poço tem a sua própria história e está intimamente ligado à história da Quinta da Carreira e à sua evolução.
O Poço (identificado em Carta Militar de 1778), representa a mais antiga memória da nossa terra, e toda a evolução que este foi tendo ao longo dos tempos e as alterações a que foi sujeito, registam o desenvolvimento que a Qtª da Carreira foi tendo até ao seu loteamento.
Conforme descrito pelo Administrador do Concelho de Cascais, Pedro Barruncho, em 1873, acerca das melhorias feitas no “Cazal e Quinta da Carreira”, pelo então novo proprietário, Sr. Marques Leal, “tornou óptimo e elegante o único e mau poço do lugar”, transformando uma pedreira, “numa das mais lindas e rendosas propriedades do paiz”.
Alguns anos mais tarde, na primeira década do Sec. XX, a nora movida a tracção animal, era substituída por um extraordinário e inovador Moinho de Armação (tipo americano) cuja função era armazenar água no recém construído Tanque, onde hoje temos o Campo de Jogos.
O Poço sofreria ainda mais duas alterações, passando da utilização de energia eólica do Moinho, para uma bomba a gasóleo e finalmente pela electrificação.
Mas, com o passar dos tempos, e em resultado do fim da exploração agrícola da Quinta da Carreira, o moinho acabou por cair (sendo posteriormente removido) e o edifício do Poço foi-se degradando até aos dias de hoje.
Agora, com a criação do projecto do Parque Urbano da Quinta da Carreira, renasce nos moradores, a esperança de ver o Poço e o Moinho restaurados, possibilitando a recuperação de parte da sua história e da história da sua terra.
Quero crer que, conforme foi feito no Forte de Salazar e nas Grutas do Poço Novo, está a ser feito no Casal Saloio do Outeiro de Polima e brevemente avançará o concurso para ser feito também, no Forte da Cadaveira e Forte de S. Pedro da Poça, também no conjunto arquitectónico, Poço/Moinho da Quinta da Carreira, possa ser feita uma obra de recuperação que a todos nos possa encher de satisfação e orgulho.”.
* Foto de Guilherme Cardoso, 15 de Junho de 1992
Consulte versão online em:
https://issuu.com/merito_da_palavra/docs/ncascais_n98/12 ou versão impressa.